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sábado, 1 de abril de 2017

COLUNISTA VIP:

Por favor


Nando da Costa Lima
É natural: todos nós já fizemos um favor ou fomos favorecidos por alguém. A nossa sociedade é uma cadeia de favores, e isso torna difícil a vida dos que não têm nada para oferecer. Isto é natural em qualquer país, só que aqui as coisas são mais acentuadas. Tanto é que se você não tiver muito pra dar (materialmente), corra de favores, pois estes só irão lhe atrapalhar.
O brasileiro (99,9%) é muito prestativo, desde quando haja retribuição e essa retribuição seja de uma forma direta, ou seja, se você faz um favor a alguém, este alguém só te retribui à altura. Não adianta mandar ninguém receber pagamento de favor, se o fizer você perde dois amigos, o pagador e o agraciado. O primeiro recebe mal, afinal ele deve um favor é a você. O segundo se dá mal, pois é atendido da forma mais descortês possível. E isso é natural para o brasileiro, tem gente que até aceita. Imagina você precisar ser operado e o médico responsável estiver pagando um favor ao patrão de um amigo do tio de sua ex-mulher? Se for seu caso, escute um conselho de amigo e deixe essa operação pra lá.
Mas o favor faz parte da cultura brasileira, tem até seu ponto positivo: nós somos conhecidos como um dos povos mais hospitaleiros do mundo, e a hospitalidade não deixa de ser uma forma de favor. Aqui no Brasil a classe mais pobre é mais sincera quando se trata de “pagar favor”, são os únicos que dividem o pouco que têm. Talvez já o fazem pensando numa possível retribuição. A classe média usa o favor como “status”, ela é prestativa desde quando seus préstimos sejam anunciados pelos quatro quantos, pois ter fama de bonzinho pra nós daqui é “status”. De rico eu não entendo muito, mas é uma classe interessante: só faz favor a quem não precisa.
Eu tomei medo ao “favor de tabela” quando Zé Trincheira me narrou o aperto que ele passou graças a estes favores. Ele chegou aqui com tudo que é tipo de verme e o dente inchado. Foi direto para a casa do padrinho, era o único que podia fazer alguma coisa por ele. O padrinho despachou-o logo: “Deixa comigo, você primeiro vai ao Dr. Fulano que me deve muitos favores, depois vai em tal dentista que também é gente minha”. Zé já saiu mais aliviado. Foi primeiro ao doutor, e este não perdeu tempo, não só deu um vermífugo como operou a vesícula e extraiu um rim. Quando saiu do hospital já não havia mais dentes, só raízes. Mesmo assim ele foi lá. O dentista, mais mal-humorado que delegado de ressaca, além de extrair as raízes, arrancou metade da língua. Zé Trincheira, revoltado com a situação, arrumou um advogado (também de favor) pra processar o médico e o dentista. Pegou dois anos de cadeia por abalar a moral de dois profissionais competentes. Zé me contou isso num leito dum hospital, tava deprimidíssimo. Só estava esperando poder andar. Assim que recebesse alta ele poderia dar fim a este sofrimento, não tinha sentido nenhum fazer parte daquela sociedade maldita na qual o favor só é feito a quem pode retribuir. Ia se suicidar deixando um bilhete esculhambando os sacanas metidos a prestativos, e ia dar nome aos bois pra que ninguém caísse na merda que ele caiu. E dessa vez tomaria o cuidado de não pedir arma emprestada pra se matar. Empréstimo não deixa de ser favor e, sendo assim, o revólver poderia falhar.
Felizmente o revólver falhou… E hoje Zé dá aulas de autoajuda inspirado nos apertos que passou pela vida. Mas cobra a mensalidade, não faz favor pra porra nenhum.

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